“A literatura está muito preguiçosa”
miolo
Li essa fala já tem algumas semanas, mas ela não me saiu da cabeça até hoje.
A literatura está muito preguiçosa.
Quem falou foi o escritor argentino César Aira, que terá mais 16 obras publicadas no Brasil pela Editora Fósforo e que guarda um grande carinho pelo Brasil, como contou em entrevista ao O Globo.
Apesar de parecer uma crítica a literatura de hoje, até porque a frase encabeça a matéria, a frase vem de um texto do autor chamado “Romance argentino: nada mais que uma ideia”, que foi publicado em 1981.
Isso mesmo, no começo da década de oitenta.
Há mais de quarenta anos atrás.
Ainda assim, a frase não saiu da minha cabeça e acabou se relacionando com vários outros temas que não tem uma explicação objetiva ou simples, mas que merecem o debate.
Trocando em miúdos, o que quero dizer é que, ao ler a primeira vez a frase, uma parte de mim concordou com Aira, a literatura está mesmo muito preguiçosa. E eu não pensava na literatura de quarenta anos atrás, mas na literatura dos dias de hoje.
Ao mesmo tempo que essa ideia se instalava, ao pensava em algumas de minhas leituras e também pensava, mas não pode ser, é demais pensar assim, é generalista demais. Mas, será que é mesmo?
Só de pensar no conceito de literatura comercial, a coisa faz um sentido assustador aqui na minha cabeça: são fórmulas mágicas reproduzidas incansavelmente que etiquetam os novos best sellers e os distribuem em larga escala.
Dentro disso, existe toda uma conversa sobre rotulação, era do booktok e venda de livros que não cabe muito nesse debate aqui, mas que rende uma news inteira que ainda pretendo trazer para você.
Mas, focando na literatura preguiçosa, toda vez que eu concordava e falava sim, percebia o quanto esse é também um movimento de mercado:
Observe como toda vez que algum livro se torna referência em um estilo, vários outros parecidos surgem em seu encalço: tivemos a era dos vampiros com Crepúsculo (e que está voltando), era dos feéricos com a saga ACOTAR (e que tenho certeza que vai voltar ainda mais forte quando a adaptação vier ao mundo), e estamos entrando definitivamente em uma era de dragões, graças ao sucesso estrondoso de Quarta Asa.
Esses são alguns exemplos bem nichados, mas que são parâmetros bons. Essa ideia se repete também no romance, no suspense e facilmente encontraríamos base para falar de vários gêneros.
Só que, ao mesmo tempo que penso nessa preguiça como sendo algo muito difícil de desvincular, porque estamos falando de tendências e influências do mercado literário, que quer sempre reproduzir as fórmulas de sucesso (e por sucesso, claro que falo de sucesso de financeiro), essa preguiça é também do leitor.
Então, dá para atualizar a frase de Aira para o leitor está muito preguiçoso.
Enquanto o mercado é predatório e empurra as fórmulas de sucesso, quem também faz parte desse processo de determinar o que é/será um sucesso comercial, ao menos, somos nós mesmas, leitoras e leitores.
Por isso, essa frase do Aira e essa versão adaptada, me fez questionar o meu próprio papel nessa busca de uma literatura menos preguiçosa, que aqui vou entender também como uma literatura mais inclusiva, diversa, menos estereotipada, menos roteirizada e que converse mais com a pluralidade do mundo.
Como leitora, às vezes as obras que mais me surpreendem são exatamente as que não seguem um padrão dentro do nicho, dentro do gênero, porque extrapolam, porque mesclam.
Mas que fique claro, eu também adoro um clichezinho ou outro de certos estilos, aquela história que você já tem certa previsão do que vai encontrar em termos estéticos, de construção e enredo.
A questão aqui não é deixar de gostar, mas sobre abrir espaço para o diverso, para se surpreender e explorar novas formas.
Você por acaso já ouviu falar dos dragões e da escola de magia do Ciclo Terramar? Ou quem sabe do maravilhoso fluxo de consciência de Fadas e Copos no Canto da Casa? E por acaso já conheceu os demônios feéricos de Os Cavaleiros do Inverno?
Se você sente que, de alguma forma, suas leituras possam estar sofrendo com a preguiça de navegar apenas na hype, não hesite em responder este texto e me contar.
Mas, especialmente, não hesite em procurar por títulos que vão despertar seus sentidos para novos sentimentos e caminhos, mesmo que dentro dos gêneros que você costuma ler.
Imagine só a aventura que será partir em busca dessas histórias em lugares não tão comuns assim…
drops de GLitter
curadoria de conteúdo & etcétera para você
.Acabei de conhecer a Pomo Editora e já adorei a premissa do trabalho deles, especialmente ao ver a obra Inquietudes sentimentais de Teresa Wilms Montt. Você pode conhecer mais deles aqui no Instagram ou no site:
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.A Netflix compartilhou o teaser da série adaptada do clássico Cem Anos de Solidão e já trouxe muitas expectativas (e, por aqui, o lembrete de que até hoje não li, mesmo tendo muita curiosidade sobre a obra):
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rodapé
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