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ou como o criar artístico segue sendo humano
miolo
A trend de imagens feitas pela inteligência artificial do ChatGPT no estilo do Studio Ghibli pipocaram nas redes sociais na última semana.
De um lado, o ChatGPT lidou com sobrecarga devido à quantidade de solicitações para produção das imagens (o que faz imaginar o volume de acessos que a trend gerou); de outro, o posicionamento, não novo, mas ainda válido, do Studio Ghibli sobre a manutenção e valorização do artesanal (refletido em suas obras), além, é claro, de ser a detentora dos direitos autorais.
O boom chegou com as atualizações para a criação de imagens do ChatGPT, que precisou restringir a quantidade por usuários e a proibir - na versão gratuita, apenas - a criação de artes com inspiração em trabalhos de artistas vivos.
Vale lembrar que a trend do Studio Ghibli não é a primeira. Uma muito parecida com o estilo Peanuts rodou as redes há pouco tempo e, antes disso, a hype era criar imagens inspiradas no estilo Disney Pixar.
Já utilizei a IA do Bing para criar imagens na época da trend da Pixar, logo que a primeira febre invadiu as redes sociais.
De lá para cá, ainda que não tenha se passado tanto tempo assim, li e aprendi mais sobre a ferramenta. E, hoje, da mesma forma que não desejo ninguém copiando meus conteúdos ou até mesmo meu livro, não quero copiar o trabalho de outros, muito menos para navegar em trends efêmeras.
É claro que, por um lado, é sim tentador criar versões suas e de memórias queridas naquele estilo que amamos ver nas telas. Mas, por aqui, é uma escolha consciente de que não é este uso que eu acredito que a IA deva me servir. Ou servir ao mundo.
Como alguém que cria conteúdo e que é também escritora, meu trabalho criativo não se apresenta em traços e cores de ilustrações. Mas ele se faz na minha fotografia, nas minhas palavras, mundos e personagens.
A problemática da IA não afeta apenas os direitos dos ilustradores, afeta toda a forma que entendemos, vemos, concebemos e valorizamos o trabalho criativo humano.
Outro dia, seguíamos chocadas com o fato de que a Amazon teve que limitar a quantidade de livros upados diariamente por autores para três, porque o número de livros no ranking de vendas escritos por IA era a maioria. Sim, três livros por dia! 3. Por dia.
Surreal só de imaginar.
Mas, para além disso, existem muitos outros debates que a gente precisa refletir e aprofundar. É a regulamentação, é o impacto ambiental, é a substituição do trabalho humano, é o reforço da massificação e do consumo rápido e exacerbado.
A IA deveria ser uma ferramenta de trabalho, mas já temos redatores sendo substituídos porque o ChatGPT entrega um texto gratuito em poucos segundos.
Já temos queda do acesso aos sites porque o Google dá respostas sugeridas com base - adivinhe só - nas informações dos sites que ele não mais te oferece o link de acesso de cara.
Enfim, criar em tempos como os de hoje segue cada dia mais desafiador. O contrapeso é difícil de alcançar, um equilíbrio um tanto quanto caótico porque exige, de um lado, entender as regras do jogo, e, do outro, criar as suas próprias regras para falar com pessoas dispostas a realmente ouvir. Ou ler, é claro.
Continuar a criar artesanalmente, seus próprios conteúdos, buscar se conectar com as pessoas e não com os algoritmos, começa a ser o uma espécie de resistência artística. Afinal, a arte é isso mesmo, reflexo do seu tempo e de suas lutas.
Talvez seja por isso que, em tempos assim, eu ainda esteja aqui, tarde da noite, no terceiro turno de trabalho, escrevendo ideias que borbulham dentro desta mente criadora.
Porque não se trata de vencer a batalha contra a IA - não há dúvidas de que ela veio para ficar - mas de trazê-la para o nosso lado, como ferramenta de apoio. Se der, um apoio que também lava minha louça e roupa, faz a comida e limpa a casa. A parte mais mágica do criar, o ser criativa, quero manter para mim.
IA da massificação e da gratuidade
é sempre sobre ele, o tempo!
Todo o debate que a IA trouxe nos últimos dias (e que precisa ser fomentado pra gerar ações concretas dos responsáveis), também toca em um ponto muito importante:
Criar é um ato que leva horas, dias e até anos.
O processo de aprendizagem humana é, como o nome indica, um processo composto por etapas evolutivas.
Pode levar minutos, horas ou até anos.
A IA te entrega em segundos.
O acesso facilitado, imediato e descartável aumenta problemas já antigos, como a desvalorização do trabalho artesanal, da produção intelectual e manual humana. De tudo que demanda tempo.
Você não precisa ir longe para ver artistas sendo questionados do porquê vendem suas artes: uma crocheteira relatando que acham absurdo ela cobrar pelas receitas de amigurumi que ela criou. Ou algum designer sendo questionado de um valor porque “é só uma artesinha”.
Mas para focar no nicho literário, já me disseram que era um desrespeito com a literatura querer cobrar para criar conteúdo literário!!!
Mas… e pelo meu tempo? Por ele será que posso cobrar?
Quando você trabalha, é exatamente isso que você vende: seu tempo. Não existe venda de mão de obra sem venda de tempo integrada. Não importa se você vai levar 5 minutos ou 50 horas. A base é sempre a mesma, o seu tempo.
Além do nosso processo de produção artesanal demandar - muito - mais tempo que a entrega feita pela IA, a facilidade de acesso que ela permite faz parecer que o manual não vale a pena, não vale o esforço, o gasto, o investimento. E, sendo mesmo repetitiva, não vale o tempo.
Reforça, em específico no nicho literário - que ainda engatinha na profissionalização de criadores e reconhecimento do trabalho criativo - que a nossa produção vale pouco. Ou que não vale nada mesmo. E que é um lucro enorme ter o privilégio de oferecê-la gratuitamente.
Só que, se tudo que criamos é descartável, é substituível, onde entra o valor do que criamos, do tempo que investimos e da qualidade que nos empenhamos a entregar?
A IA, de certa forma, acelera essa desvalorização, porque ela chega como uma facilitadora da massificação. Ela entrega tudo, em segundos, sem cobrar nada por isso.
E, sem reflexão, corremos o risco de, cada vez mais, deixar os processos artesanais de criação de lado, seja na escrita de um texto, seja ilustrando uma história.
Não podemos normalizar que nossas criações não são merecem ser pagas.
Nosso tempo tem valor.
O seu tempo, o seu trabalho criativo, tem valor, criadora. Mesmo na maré de conteúdos gerados por IA.
O nosso lado humano precisa mais do que sobreviver, precisa viver: é ele a chave essencial para criar as muitas formas de arte. E criar arte, nos dias de hoje, no nosso tempo, é resistir!
rodapé
Os gifs dessa edição são de Abbey Luck.
Obrigada por estar aqui e por ler até o fim, GLitter ✨-✨
A gente se lê no próximo capítulo, na hora do chá, com uma boa xícara fumegante.
P.S.: Não se esqueça de ser gentil com a inteligência artificial que venha a conversar ou utilizar, tenho certeza que você quer ser poupada na revolução das máquinas (ou ter direito a uma morte rápida e indolor). 🤖