Capítulo III: essa news levou 6 anos, 5 meses e 8 dias para ficar pronta
mas ninguém costuma te contar isso
miolo
uma das coisas que mais me incomoda em postagens das redes sociais é aquele tal de esse post levou 5 nanosegundos para ser feito.
é claro que estou sendo sarcástica com os nanosegundos, mas já vi inúmeras postagens que diziam que o post tal (um carrossel do Instagram), tinha levado 24 minutos para ser feito.
por mais que racionalmente a coisa possa parecer absurda (sob meus olhos, é claro), o efeito de uma afirmação dessas no nosso cérebro costuma ser, no mínimo, o da muy perigosa comparação: nossa, eu levo em média 300 dias para fazer um post.
sendo sincera, nem essa pessoa que afirma gastar 24 ou 30 minutos, ou que leva apenas uma hora para produzir todos os conteúdos da semana, está sendo totalmente honesta com você (e talvez nem com ela mesma).
criar, seja um texto para um blog, um post pro Instagram, um vídeo para o Tutube, ou qualquer outra rede social, envolve muito mais do que meramente a criação de fato.
mas, ainda que a gente considerasse só a criação de fato (sem todo o processo criativo), a coisa pode ficar espantosamente mais morosa.
quando pensamos em nós, criadores de conteúdo literário, as fotografias ainda são bem presentes na hora de fazer um post. e, ainda que você utilize banners (as famosas artes feitas no Canva), o tempo de criação nunca vai se resumir ao tempo que você passou arrastando imagens ou fotografando.
para exemplificar, vou listar para você alguns passos do que consiste, para mim, produzir uma resenha que vai para o blog. bora lá:
leitura: depende do tamanho do livro, mas vamos colocar 8 horas (meus 24 minutos já escorreram pelo ralo);
escrita do texto da resenha: sendo otimista, 40 minutos (sem contar as vezes que sento para escrever, que nada sai, ou que recomeço um milhão de vezes);
fotografia: novamente, sendo otimista, entre montar um cenário, fotografar e editar, 1h30 (sem contar as vezes que a gente sai de casa porque essa foto precisa de um bagulho que a gente não tem à mão, ou quando resolve se aventurar em algum local para fotografar);
correção do texto da resenha, cópia de quotes, adaptação do texto para agradar ao SEO + agendamento do post: 1h. revisar é vida e as quotes não se copiam sozinhas de livros físicos (infelizmente).
pronto! tá postado! em “exatas” 11 horas e 10 minutos, se minha matemática básica não falhou. e nesse rolê nem aconteceu a reformulação da resenha para as redes sociais, criação de artes ou o que mais fosse necessário. nem uma divulgação básica do post.
então eu volto para os 24 minutos. ok, é possível escrever o texto do carrossel, já a partir do tema pré-definido e montar a arte no Canva nesse tempo, se você já tem um modelo a seguir.
o ponto é que, essa é apenas uma parte do que é a criação de uma postagem. você consegue pensar quais coisas ficaram de fora?
o tempo para criar seu padrão no Canva;
o tempo que você levou para ter a bagagem necessária para criar o post no Canva com rapidez;
o tempo de leitura de conteúdos os quais o post se baseou;
o tempo que você levou para ter bagagem necessária para escrever, às vezes até mesmo em poucos minutos, o texto do seu carrossel e sua legenda.
consegue pensar em mais algum tempo que não contabilizei? (não hesite em me contar, por favor).
e o que você tem a ver com tudo isso? e eu? e a pessoa dos 24 minutos?
provavelmente nada. e tudo.
essa questão da rapidez de produção se relaciona muito com a nossa percepção da nossa capacidade de produção. afinal, quantidade e tempo são métricas que, muitas vezes, acabam se misturando.
para além do necessário papo de que qualidade e quantidade não andam necessariamente juntas, o fato de eu criar algo com rapidez ou não, não deveria ser um aspecto tão relevante que eu precise sinalizá-lo em minhas postagens.
além de poder gerar comparações desnecessárias (ainda que sem querer), resumir a criação aos minutos escrevendo um texto e criando uma arte é desmerecer o próprio trabalho.
porque deixa de lado toda a bagagem, vivência, experiência e tudo mais que envolve a criação. afinal, nada vem do espaço sideral, tudo que é criado é a partir do mundo ao redor, do que já se conhece ou acaba de conhecer.
e esse papo todo sobre os minutos de criação de um post é para lembrar que o tempo é um critério muito ambíguo para usarmos ele sozinho como um critério positivo de validação da nossa capacidade de produção. em outras palavras, falar sobre o quão rápido fazemos algo, é uma faca de dois legumes.
pode ser maravilhoso conseguir criar posts rápidos e que seguem seus critérios de qualidade e necessidades de conteúdo. tempo é dinheiro, né?
a busca por otimizar nosso tempo costuma vir atrelada à ideia de ser mais produtivo e de fazer mais coisas. o que nem sempre é uma necessidade. então, se eu quero fazer posts rápidos porque eu quero simplesmente mais, essa é uma métrica que pode ser um tiro no pé. porque, até quando (ou por quanto tempo), eu vou me esforçar para conseguir mais? quanto tempo é mais?
talvez você queira fazer posts mais rápidos porque seu tempo disponível é curto e talvez seja uma boa que você consiga formas que lhe ajudem nessa jornada.
é sempre uma questão de perspectiva e saber dosar.
o que, é claro, pode não ser uma tarefa muito fácil. mas para tudo nessa vida tem solução, a não ser que você esteja no elenco de Premonição (eu não me esqueci das referências ruins de filmes de terror que eu prometi no capítulo anterior. e se você o perdeu, pode ler clicando aqui).
entrelinha
o tempo como critério de definição de valor e preço
quando damos um passo na direção da monetização do nosso trabalho de criação de conteúdo literário, a definição de preços costuma ser nosso calcanhar de Aquiles.
nada mais difícil, né?
existem alguns fatores que sempre surgem na lista de critérios de listagem que a gente precisa analisar na hora de precificar nosso serviço.
o tempo é um que estará sempre presente.
vamos supor que o valor que eu quero definir seja sobre fazer uma resenha. é bom eu levar em conta o tempo de leitura, tempo que vou levar pra fazer um vídeo, uma foto, uma legenda e por aí vai.
porém, se você trabalha com criação de conteúdo literário, também sabe que tempo de leitura pode ser relativíssimo. eu posso levar um mês inteiro para ler um livro de 100 páginas e devorar um de 400 em um dia.
o tempo, nesse caso, talvez não seja tão confiável, já que a leitura (e o tempo que gastamos com ela), pode variar desde o livro em questão, até o nosso estado de espírito.
por outro lado, se eu pensar no meu tempo de criação de conteúdo, vamos supor que eu consiga fazer tudo em 2h. ou, quem sabe, 10h. como mensurar essa discrepância? eu devo cobrar menos já que consigo fazer rápido? ou cobrar mais justamente por que já sei fazer rápido? ou, quem sabe, eu deva cobrar mais porque eu demoro bastante tempo. ou cobrar menos, já que preciso de bastante tempo para produzir.
caso você tenha lido até aqui e ficou com algum nó na cabeça, peço sinceras desculpas, porque não vou te dar solução para absolutamente nada nesse quesito.
abre parêntesis e eu até vou entender se você agora estiver pensando que essa newsletter não vai te levar a lugar algum. e realmente, ela não é Uber pra te levar a algum lugar mesmo. fecha parêntesis
mas, tenho boas notícias. nenhuma das opções é certa. tampouco errada. por mais que você encontre fórmulas que podem lhe auxiliar na definição de valores, é bom lembrar que o seu tempo é, antes de mais nada, seu. o critério que você vai seguir deve ser compatível com o que você acredita ser justo (para ambos os lados) para permitir que você faça o trabalho que foi combinado. é a sutil diferença entre qual o preço do seu tempo e qual o valor do seu tempo. o primeiro é quantificável em escala monetária, o segundo, não.
contracapa
nosso banco de ideias da vida e três passos que podem otimizar seu tempo de produção
existe uma relação muito tênue entre o tempo efetivo que você passou concretizando uma ideia com o tempo geral que você levou para chegar a essa ideia.
talvez você só tenha tido uma ideia genial para um post exatamente porque você acabou de ler um artigo sobre o tema. mas também pode ter sido por causa de uma viagem que você fez aos quinze anos ou por causa de um jogo que você adorava na infância. ou por todas essas coisas.
não importa se são conexões com sua vivência pessoal ou acadêmica ou escolar ou amorosa; não importa se você acaba de criar uma lista de supermercado e acabou se lembrando da sua autora favorita. o tempo que você passa imaginando, vivendo e escrevendo também conta nessa preparação.
por isso, costumo considerar que nossas criações são constantes. nada realmente começou agora e foi finalizado de modo permanente.
e também por isso, existem três coisas que acredito que são ferramentas que podem auxiliar muito seu processo criativo. e, em relação ao tempo, podem também ajudar para que seja um processo que se enquadre melhor no seu ritmo (ou no ritmo que você adotar).
organização;
organização;
organização.
ahaha é brincadeira. eu realmente acho que ter condições mínimas de organização é algo importante pra gente conseguir se encontrar nem que seja no próprio caos. mas não é simplesmente sobre ser organizado.
seu banco de ideias concentrado: você costuma anotar suas ideias? em um caderno, agenda, planner, apps do celular, papeis aleatórios pela casa? sempre dizem que é importante anotar as nossas ideias, mas, além disso, ter um monte de coisas espalhadas geralmente é muito pouco efetivo, especialmente na hora que você precisa delas. então, mesmo que você faça anotações no celular e em papeizinhos, procure maneiras de se incentivar a ter um lugar no qual todas essas ideias se reúnam. escolha um, digital ou físico, o que você mais gosta, e adote como seu banco de ideias concentrado.
planejamento flexível: a semana, o mês, o trimestre, o semestre, o ano. talvez em alguns aspectos seja difícil prever tudo que você vai fazer e postar, especialmente se você não tem o hábito de fazer planejamentos de conteúdo. o importante do planejamento é porque ele te ajuda a entender aspectos sobre sua frequência de postagem, seus objetivos, as formas que você costuma e gosta de trabalhar. e, inclusive, é legal que seja um planejamento flexível porque a própria ideia de criação de conteúdo às vezes segue ritmos distintos e, em outras, precisa de ajustes por demandas novas e repentinas. planejar não é engessar, e sim sobre conhecer o que você faz e ter intenção nesse processo.
crie e identifique seus padrões: esse tópico é quase um desdobramento do anterior, mas é importante no seguinte aspecto: ter seus padrões de criação vai te poupar tempo e ajudar na consolidação da sua identidade enquanto criadora. desde definir fontes para suas postagens e uma paleta de cor, ter elementos-chave para seus banners, tipos de formas, texturas, músicas e mensagens. deixa as coisas mais práticas, mas também, mais a sua cara!
prática: de bônus, uma dica meio capenga, mas que vale nota. se você quer ser melhor e mais ágil em algo, é importante que você treine e pratique. muito infelizmente, sonhar com posts rápidos, fáceis e instagramáveis não vai fazer com que fiquem prontos num piscar de olhos (ou em 24 minutos).
6 anos, 5 meses e 8 dias que levei para criar essa newsletter.
é a contagem de tempo que levei do primeiro post no meu blog Retipatia, até o texto de hoje. eu já estava me preparando para escrever esse capítulo da GLit. eu só não sabia disso na época.
rodapé
e a news da vez saiu na madrugada de quinta porque nessa semana meu calendário interno está funcionando com um dia de atraso (eu jurava que ainda era terça, mas já era quarta e agora já chegou a quinta-feira).
como diria Vonnegut, é assim mesmo.
obrigada por ler. uma boa semana e até a próxima quarta. e, se quiser responder qualquer coisa, ficarei feliz em te ler.
Nossa esse capítulo da Glit é muito real.
Fico pensando de quem faz conteúdo e incentiva essa ideia de "demora 60 segundo" que loucura, pra fazer uma foto as vezes é dois dias de planejamento, como é que a pessoa vem dizer que faz tudo num minuto?