Capítulo XXIV: prazer, meu nome é fracasso
coisas incríveis também chegam ao fim
miolo
oi, prazer, meu nome é fracasso.
o conteúdo a seguir pode ser sensível para algumas pessoas, já que o tema pode despertar memórias, problemas e feridas da nossa vida e caminhada.
derivada de uma mistura feita no italiano das palavras latinas frangere, que significa quebrar e quassare, que significa sacudir, chacoalhar, bater repetidamente e, por extensão, ameaçar e quebrar, a palavra fracasso causa arrepio, assombro, medo e até repulsa.
mas, felizmente ou não, o sentimento que ela carrega não nos impede de fracassar.
tenho fracassado cotidianamente nesse início de ano, o que me leva a esse texto e à algumas ideias que me perturbam de um jeito meio incerto e muito grande.
porém, se há alguma outra certeza na vida que não a morte, é a de que todos nós fracassamos em algum momento. e, incômodo ou não de ouvir, ainda vamos fracassar no caminho que está por vir.
seja com outra pessoa, com alguma coisa ou projeto, com nós mesmos e até com o universo… é inevitável.
o problema do ato de fracassar nem sempre é o fracasso em si. ele nos assusta porque o que nós aprendemos desde cedo é que vencer, conquistar e conseguir são palavras e acontecimentos muito superiores.
e eles tem lá suas vantagens, é óbvio que sim, seja um descanso merecido, uma renda extra, um sorriso sincero, conforto e satisfação, boas recordações ou o amor da sua vida.
mas acontece que, sem o exato oposto, ele mesmo, o tal do fracasso, não existiria conquista ou vitória.
numa máxima da dicotomia fracassar ou vencer, para um vencedor sempre existirão vários perdedores. só há um primeiro lugar, um eleito, um que cruza a linha de chegada um milésimo antes.
trocando em miúdos, a verdade é que o mundo é grande demais para que, em todos os aspectos, todos tenham um lugar ao sol.
ainda que, é bom destacar, em aspectos mais essenciais ou essencialistas, sim, o mundo é grande demais e tem espaço para todo mundo ter seu seu lugar ao sol.
a parte que traz, senão esperança, ao menos perspectiva, é que nem tudo é competição. nem tudo é ganhar ou perder. fracassar ou ter sucesso.
tem aquela parte em que existem os pequenos fracassos cotidianos e as pequenas vitórias também. tem aquela parte que é muito mais sobre foi o que deu pra fazer.
e ver nossos fracassos sob um novo prisma pode ser necessário para que fiquem menos assustadores e pareçam, de certa forma, mais aprendizados do que perdas.
porque é isso que dá medo no fracasso. a sensação de perda, de ser ou ter menos. é sobre o buraco que ele deixa e o vazio difícil de preencher.
geralmente, a gente costuma tapar ele não com tapinhas nas costas de eu dei o meu melhor, mas com pensamentos de ser insuficiente, incapaz, ruim, sem valor. sei que você conhece essas e tantas outras coisas.
e isso acontece muitas vezes porque sentimentos são confusos e, quando falamos em criação de conteúdo, assim como em tantas outras áreas da vida, a ideia de fracasso já vem vestida no traje à rigor do negativo.
porque se você é realmente bom, se esforça e corre atrás, por que não consegue como os demais? por que ainda está estagnada? por que não conquistou isso ou aquilo outro que fulana já tem?
é um pouco desesperador, às vezes e exaustivo. porque o significado do fracasso costuma vir da comparação. e, da comparação pura e simples, dificilmente chegamos em lugares muito produtivos ou saudáveis.
por outro lado, outra coisa que reforça esse problema do fracasso é que ele se mistura muito com a ideia de desistir.
porque desistir é assumir a derrota: não é sobre levantar bandeira branca, é sobre incompetência. é sobre fracasso.
ou pelo menos é isso que nossa cultura costuma reforçar.
e, em tempos da cultura da produtividade, também por causa dele, do fracasso, é mais difícil abrir mão de coisas que, em certos aspectos, fazem bem pra gente.
coisas que nos dão algum tipo de retorno. pode ser ele financeiro, físico, espiritual, sentimental ou de qualquer outro tipo.
se eu não dou conta, se eu não me entrego o suficiente, se eu não mantenho engajada, se eu não faço mais do que deveria, se não estou sempre presente e quero desistir porque a carga negativa é superior (ou não) à positiva, logo, desistir significa também fracasso.
sabe aquele seriado que você sofreu porque acabou?
sabe aquele chocolate maravilhoso que não produzem mais?
sabe aquele passeio que você teve que voltar para casa mesmo sem querer?
sabe aquela amizade que era ótima, mas que ficou no passado?
coisas incríveis também chegam ao fim.
é por isso que desistir de alguma coisa nem sempre significa derrota, fracasso (e também não tem problema se for).
desistência e fracasso podem significar o encerramento de um ciclo, amadurecimento, novas metas, objetivos e desejos. uma nova realidade na sua vida ou outras prioridades.
desistir é um ato de desapego também, já fracassar dá a impressão de ser um desapego forçado, né!?
somos ciclos constantes, em permanente mudança.
é natural que algumas coisas, momentos, pessoas, sentimentos, projetos e objetivos fiquem de lado, sejam reformulados ou abandonados. ou que tudo que a gente imaginou, sonhou, almejou, batalhou e desejou não deu certo.
como diria Vonnegut, é assim mesmo.
mas, de todo jeito, fracassar também pode significar deixar na memória os sentimentos daquilo que foi bom, manter o que pode permanecer e dizer adeus ao que não cabe mais.
é um processo difícil e penoso, mas que vale a gente se perguntar: estou apenas com medo do fracasso ou preciso fazer dar certo?
estou apenas dando mais tempo e prejudicando a mim, a minha saúde, ou estou buscando caminhos que deem sentido ao que atualmente considero um fracasso?
tem uma citação que eu amo muito, e que cabe a reflexão:
"Quando você achar que esta no fim de sua corda, dê a si mais três dias. E então mais três. Às vezes, você vai descobrir que a corda é mais longa do que você pensava.”
por quantos mais três dias vamos prolongar algo que não é necessário e vital, dando mais e mais corda?
por quantos mais trios vamos nos desdobrar, sem necessidade alguma, apenas porque a ideia de desistir, de ser derrotado, de entregar os pontos, de fracassar, parece por demasiado assombrosa?
afinal, invocando novamente a citação da Mary,
“Às vezes, você vai descobrir que a corda é mais curta do que pensava.”
entrelinha
você não está sozinha, GLitter!
sei que este está longe de ser um texto exatamente positivo, mas falo aqui de ideias, projetos e razões que nos movem em nossas tarefas, cotidiano e, claro, na produção de conteúdo.
se você não se sente bem em relação à sua vida, se acredita que corre risco de atentar contra si, procure ajuda. sua vida vale muito e jamais vai se resumir às suas conquistas ou fracassos.
fale com quem está ao seu lado, procure ajuda, o CVV tem vários canais de atendimento.
contracapa
esse texto seria um adeus à GLit
desde que criei a GLit o significado dela se manteve em alguns aspectos para mim e também, foi se alterando em alguns outros.
apesar de estar em negação há um tempinho, eu descobri que a minha corda é mais curta do que o que eu pensava. assim, por mais que eu ame escrever por aqui, os quase três anos sem férias da criação de conteúdo mandaram um oi.
não é que eu não visse os sinais, mas eu não estava dando o devido crédito à sobrecarga. e, como percebi que tenho trabalhado parcialmente em todos os meus projetos literários, vi que é hora uma pausa.
para reavaliar minhas prioridades, caminhos, metas, colocar os planejamentos em ordem e (re)descobrir como vou seguir daqui para a frente.
para mim, criar com mais leveza, criatividade e permanência, o trio que sempre relembro aqui na GLit, é também sobre saber o momento de pausar e se ouvir.
foi pensando nisso que decidi que a GLit vai entrar de férias durante o mês de março.
uma decisão que já estava decidida no meu coração antes mesmo que eu me desse conta e escrevesse aqui para vocês.
e é também por essa razão que esse texto deixou de ser um adeus para se tornar um até logo.
rodapé
citei dois livros que amo nesse texto:
Matadouro Cinco do Kurt Vonnegut (ele é o responsável por me fazer amar ficção científica e amo o humor ácido de seu texto) resenha | Amazon
The Heart of Betrayl de Mary E. Pearson (segundo livro de uma trilogia que eu amo, mas ainda não tive coragem de acabar de ler ahaha) resenha | Amazon
tem algo que queira me falar? tô sempre de coração aberto, comenta aqui na GLit, me responde por e-mail ou me chama no insta. é sempre um prazer te ler também.
a gente se lê de novo na primeira semana de abril (e boas férias para mim)💡✨